Mile Lab e o desfile-manifesto que expôs o preconceito na moda
Mile Lab no mês da consciência negra expôs o preconceito na moda – o que de “bom” podemos tirar do ocorrido?
Com o fim de novembro, Carol Society entende a importância em se relatar as dores e os desafios sentidos presencialmente nos bastidores de uma das marcas mais representativas no conceito afrocentrado, e a percepção do longo caminho que marcas de afroempreendedores, ainda terão que percorrer, e que vão muito além da hora do show!
O desfile-manifesto revolucionário e histórico apresentado pela marca MILE LAB na SPFW N52
A intenção de Milena Nascimento, diretora criativa da marca, e estava descrito no (release), seria apresentar a coleção Fluxo MILENAR conectada a sua essência vinda do bairro paulistano de nascença, o Grajaú. Porém, as condições e suporte oferecidos para apresentação de seu desfile na SPFW N52 não correspondiam as necessidades da produção de uma coleção da maneira e a qualidade que a estilista almejava, e o que era para ser “milenar” tornou-se “manifesto”.
A justificativa a falta de suporte as marcas de mesmo conceito da Mile Lab, poderia ser interpretada de várias maneiras e por diversas razões, porém a que se torna mais evidente seria o preconceito aos indivíduos pretos e periféricos que provaram em sua estreia no evento, na edição anterior N51, serem tão ou mais competentes e merecedores de ocuparem aquele espaço, até então ocupados, em sua maioria esmagadora, por marcas de propriedade não preta e nem tão pouco periféricas.
E o que poderia ter sido o fim de um sonho, foi o começo de uma virada, pois o show continuou, com pegada de manifesto, porém com muita verdade, criatividade, resistência, coragem, beleza e emoção. E o que foi apresentado pela marca foi histórico, o talento de Milena superou o boicote velado do preconceito. As palavras proferidas, em tom de poesia na voz de Breno Luan fez a introdução do desfile do que estava por vir, e durante todo o desfile o recado foi dado a elite preconceituosa ao expor a falta de apoio dos investidores para criação e execução de uma coleção ao nível da grandeza da Mile Lab e do evento.
Fato é, que não houve apoio de nenhum patrocinador (investidor) de peso a(s) marca(s) de mesmo conceito para estarem no evento, o que, na teoria, tornaria inviável a criação e execução de uma coleção. Mas o DNA de resistência dessas marcas imperou no resultado, e contornando todos os desafios, as marcas apresentaram suas coleções e foram aplaudidas de pé pelo público presente.
“É preciso olhar para todas essas questões e não só criar o que “eles” chamam de “projeto”, enfiar as pessoas em um canto e esquecer. Por isso, trazemos esse desfile no sentido de denúncia” — Milena Nascimento, diretora criativa da marca Mile Lab.
Marcas como a MILE LAB fizeram parte do projeto Sankofa, uma iniciativa do movimento, Pretos na Moda e da startup de inovação social VAMO (Vetor Afro Indígena na Moda), que em parceria com o evento selecionaram oito marcas de propriedade racializada para fazerem parte da line-up do São Paulo Fashion Week de maneira a fomentar a inclusão de pessoas racializadas em toda a cadeia da indústria de moda.
Milena explica que o projeto inicial para o desfile levaria as passarelas a coleção denominada como “Fluxo Milenar” e deveria teletransportar o público para uma viagem no futuro e mostrar como seria um baile funk daqui a 20, 30 anos — seguindo o conceito de afrofuturismo que propõem ao afrofuturo, mesmo que de forma imaginária, que seja de protagonismo negro, empoderado e tecnologicamente desenvolvido. Porém, a falta de apoio a realização do desfile, levou a estilista a complementar o nome da coleção para “FLUXO MILENAR – O MANIFESTO”.
A partir deste momento, a coleção assumiu uma “nova” roupagem, que segundo os organizadores receberam a aderência da totalidade do casting formado, pela maioria absoluta, de modelos pertencentes a periferia paulistana, o que veio a fortalecer o desfile-manifesto.
E, em forma de desabafo, a estilista verbalizou que os modelos escolhidos para o desfile não eram objetos, eram pessoas reais e que como ela estavam na luta pelo respeito e a valorização de pretos e periféricos na industria da moda. Com o manisfesto, Milena Nascimento expôs uma indústria, ainda muito exclusiva e preconceituosa, e que persiste de forma velada ( neste caso, a falta de investimento) nas diversas tentativas de se inviabilizar a inclusão, e principalmente a permanência de marcas de propriedade racializadas e periféricas no mercado da moda.
E se para alguns, ainda restavam dúvidas, se o que fora apresentado nas passarelas do SPFW foi desfile ou manifesto (e Carol Society garante ter sido às duas coisas, pois estava presente), no encerramento do desfile a estilista deu a visão aos mais desatentos:
“Hoje, camisetas amarradas no rosto representam a perspectiva da branquitude perante o nosso corpo: ‘suspeito’, é como eles nos enxergam no seu imaginário. Eles veem um potencial presidiário. São 500 anos nos vendo como ameaça”, discursou uma Milena emocionadíssima ao final do desfile.
MAS AFINAL, O QUE PODEMOS TIRAR DE “BOM” AO OCORRIDO NO SPFW?
Ao contrário do que se imagina, o que ocorreu no SPFW trouxe pontos positivos ao levar luz ao tema “preconceito na moda”, e gerar reflexões de extrema importância do quanto este mercado ainda precisa evoluir para ser de fato inclusivo.
O que estava oculto e passamos a enxergar depois do ocorrido exposto pelo manifesto Mile Lab?
- Que grandes projetos necessitam de pilotos para serem fortalecidos os fatores que realmente funcionam e ajustados os pontos que geram vulnerabilidade aos resultados almejados no escopo inicial. Entretanto, vale ressaltar que ações e projetos de propósitos semelhantes ao Sankofa são urgentes e primordiais para que as mudanças ocorram.
- Que as armadilhas construídas pelo preconceito velado continuam armadas como tentativa em frear os avanços de povos racializados, independentemente do mercado.
- Que o aporte financeiro necessário para o fortalecimento de marcas emergentes de propriedade racializada, no mercado da moda brasileira, ainda permanecem firmemente nas mãos da branquitude regida pelo racismo estrutural, e são essas as mãos que escolhem quem apoiar.
- Que na atualidade, quem de fato fortalece esses movimentos de empoderamento aos povos racializados, aqui em específico os afrodescendentes e de povos indígenas, são os pequenos empreendedores, ou empreendedores também racializados que entendem das dificuldades enfrentadas por este nicho de pessoas para conseguirem romper a bolha do preconceito.
- Que nem tudo que reluz é ouro, e o caminhar para que o atual cenário da moda dê sinais de melhora, ainda será longo.
- Que por maior que sejam os desafios, seremos a RESISTÊNCIA e chegaremos ao lugar de protagonismo que almejamos e merecemos e que insistem em nos negar.
Meus agradecimentos ao show de beleza e resistência como pessoa física (Carol Lee) e jurídica (Carol Society) aqueles que de fato fortalecem e tornam viáveis as grandes mudanças que estão por vir, e neste contexto, meus agradecimentos se destinam ao projeto Sankofa, a Sprint Textil, a equipe e todo casting da Mile Lab, ao Miltão Pipas, ao Artista Cauã Bertoldo, a Letícia Mestiça do salão Mestiça Afro Hair e principalmente a Milena Nascimento pelo convite para assistir aos desfiles e pela coragem de expor a face do preconceito velado na moda, ao não se calar.
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