Música brasileira: um DNA do tráfico de escravizados

 – análise aprofundada por Adeyinka Olaiya

Tradução e reprodução autorizada pelo autor Adeyinka Olaiya para plataforma Carol Society.

A música brasileira é um dos tesouros culturais mais agradáveis ​​do mundo. Quando a maioria das pessoas pensa no Brasil, pensa em praias ensolaradas, jogadores de futebol talentosos, pessoas bonitas e o icônico Carnaval. O carnaval é, obviamente, admirado por seus trajes vibrantes, coreografias de dança emocionantes e, o mais importante, pela música rítmica hipnótica. Os brasileiros são, e sempre foram, grandes amantes da música. É uma paixão que antecede a época colonial e pode ser rastreada através da América pré-histórica e antes dos portugueses navegarem pela costa oeste africana.

 

Cantora Tássia Reis

 

Do samba ao manguebeat, os ritmos e sons trazidos da África para o Brasil ainda inspiram e influenciam diretamente a música de artistas brasileiros contemporâneos.

A paisagem musical do Brasil não pode ser compreendida sem considerar o enorme impacto cultural causado pelos escravizados trazidos para as Américas. Muitos dos gêneros musicais do país, como maracatu, baião, choro e samba, saíram da escravidão e evoluíram ao longo dos séculos seguintes.

Os povos africanos trazidos para o Brasil eram tipicamente das nações diretamente do outro lado do Brasil, as nações do Sudoeste – povos bantos de Angola e do Congo, iorubás da Nigéria e Ashanti de Gana. Esses povos da África Ocidental tinham línguas, religiões e culturas diferentes; no entanto, sua música tinha traços semelhantes, uma tradição musical que a tornava bastante única.

Essas tradições musicais forneceram as bases para gêneros tão conquistadores como bossa nova, tropicália, manguebeat e funk carioca, e o DNA da música africana ainda está presente na música de muitos dos principais artistas contemporâneos do Brasil, incluindo o Baiana Systen.

 

Cantora Larissa Luz

Tudo começou com o candomblé e a capoeira. O candomblé era praticado nas senzalas e assentamentos brasileiros habitados por escravos fugitivos (‘quilombos’). Vindo da África, o candomblé tornou-se uma religião brasileira de pleno direito, misturando tradições trazidas de Angola, Benin, Congo e Nigéria. Louvar os espíritos dos orixás e dançar ao ritmo dos tambores africanos (‘atabaques’) são apenas dois dos aspectos reconhecíveis das celebrações do candomblé que ainda podem ser ouvidos na música brasileira hoje.

A capoeira, por outro lado, era uma arte marcial diretamente associada à música, em que suas lutas ou danças, inspiradas em partes da África, moviam-se ao ritmo do instrumento de cordas berimbau. A percussão da capoeira trazida da África, ou adaptada pelos escravos, foi fundamental para desenvolver o que viria a ser o samba.

“Vejo a ascensão do candomblé, da capoeira e do samba como resistência, lugar de reencontro e reestruturação de uma cultura”, observa Letieres Leite, do premiado grupo Orkestra Rumpilezz. “Os africanos se reinventaram de forma incrível e profunda; não apenas reestruturaram sua ancestralidade, mas também influenciaram muitos aspectos da cultura ocidental contemporânea”.

Grupo de Capoeira

O último álbum da Orkestra, A Saga da Travessia, conta a história da viagem dos escravizados da África para o Brasil. “Desde o início do meu trabalho com Rumpilezz, eu queria fazer uma música que retratasse a saída forçada da África, para que as Américas pudessem ser construídas”, explica Leite. “A Saga da Travessia é uma visão pessoal desse primeiro momento de partida… Criei uma imagem dos escravizados pensando, ‘um dos meus descendentes será Pixinguinha’; outra pessoa diria ‘Milton Nascimento’. Foi minha tentativa de traduzir em música o holocausto profundo e cruel que foi a escravidão.”

A evolução do samba ao longo do século XX compartilha uma profunda ligação com os fundamentos do candomblé, algo facilmente identificável nas obras de alguns dos mais renomados artistas do samba, como Dorival Caymmi, Clara Nunes, Clementina de Jesus e Martinho da Vila. Os “sons de adoração” do candomblé podem ser ouvidos em álbuns como o lançamento de Moacir Santos de 1965, Coisas. Uma obra-prima “que não poderia ter sido criada por um músico sem DNA brasileiro e que não tivesse uma percepção tão aguçada de sua negritude e do passado de seu povo”, diz o jornalista musical brasileiro Marcelo Pinheiro.

 

Attoxxa

 

No final dos anos 60, o movimento tropicália do Brasil surgiu com uma abordagem diferente da música pop, que fundiu elementos tradicionais da música afro-brasileira com o rock ‘n’ roll, dando início a um intenso período de criatividade que se estendeu até meados dos anos 70, e que tem proporcionado infinitas inspirações na música popular brasileira.

Entre 1968 e 1975, foram álbuns marcantes de artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, Tim Maia, Clube da Esquina e muitos mais.

Um disco importante do período foi Krishnanda, lançado em 1968 pelo percussionista Pedro Santos. Misturando elementos místicos com ritmos africanos e ambiência tropical, o álbum foi um fracasso comercial, mas desde então ganhou status de influente cult, graças a nomes como Madlib e Floating Points, e será tema de uma noite especial no Red Bull Music Festival São Paulo 2018.

África Brasil (1976) de outro astro da tropicália, Jorge Ben, rompeu com a tradição ao trocar os violões por elétricos. Sinalizou a criação de um novo som. “Devido às polirritmias brasileiras, herdadas da África, o funk retrabalhado por Jorge ficou muito mais próximo do afro-funk vindo de países como Nigéria, Senegal, Gana, Benin e Camarões do que o funk tocado nos EUA na década de 1970” diz Pinheiro.

 

 

Nos anos 90, surgiu mais um som com a marca da África: o manguebeat. Vindo de Recife no nordeste, o som atualizou o impulso primordial da tropicália com influências internacionais modernas (rock, rap, funk e reggae) e as batidas tradicionais de Pernambuco. O som foi pioneiro pelas bandas Chico Science e Nação Zumbi.

“Podemos identificar muitas influências africanas no som da banda”, diz a jornalista e apresentadora de TV Lorena Calábria. “Embora o maracatu não seja a base de todas as canções de Chico Science e Nação Zumbi, o som dos instrumentos musicais evoca a musicalidade africana.”

“Há uma faixa no álbum Da Lama ao Caos em que essa influência é clara. Samba Makossa não só faz referência ao hit dos anos 70 Soul Makossa do artista camaronês Manu Dibango, mas os sons da guitarra de Lúcio Maia também lembram a música juju.”

Essa referência natural e intuitiva à música africana também é uma característica compartilhada pela cena funk carioca contemporânea. “Se tivéssemos que traçar uma linha do tempo, o funk é essa última versão da ‘tradução da tradição’, que é quando você pega elementos ancestrais e os transforma em algo novo”, explica a promotora do Heavy Dance e chefe da gravadora Ana Paula Paulino. “Cânticos de macumba inspiram DJs da periferia do Rio de Janeiro a fazer funk que vai fazer todo mundo dançar, inclusive crianças de bairros ricos”.

 

Margareth Menezes

O Baiana System é um dos grupos mais interessantes do pop contemporâneo. Suas performances são catárticas, com uma poderosa mistura de elementos afro-brasileiros da Bahia e influências jamaicanas. O próximo álbum, com lançamento previsto para janeiro de 2019, aborda mais de perto a África e o impacto da escravidão na Bahia. Origina-se de um período de intensa pesquisa na Ilha de Itaparica, onde os rituais de candomblé são uma tentativa de conexão espiritual com os ancestrais para explorar a experiência coletiva.

Essa experiência espiritual nos possibilitou ampliar nossa compreensão da África e da África como ela é percebida no Brasil. Como se mistura em nossa corrente sanguínea, com nossos povos nativos? Como isso muda nosso canto e nosso choro? Como essa simbiose se reflete na capoeira e no samba?” explica o cantor do grupo, Russo Passapusso.

O impacto da África no som do Brasil é algo que ainda está sendo explorado e pesquisado, mas uma coisa é certa: a música brasileira seria muito diferente sem sua influência.

Pensar a música brasileira sem a influência africana é simplesmente impossível. O grande caldeirão O Brasil tem uma de suas raízes no continente africano. A contribuição do elemento africano na música brasileira é vasta. Influências muito importantes são as variações e cadências polirrítmicas, que trouxeram, juntamente com as melodias portuguesas e europeias, novas e inesperadas criações.

A combinação de elementos de diferentes culturas é responsável pelos estilos típicos da música brasileira como samba, gafiera, choro, pagode, maxixe, maracatu, forró, frevo, embolada, coco (dançar e cantar na praia), lundu (trazido pelos sulistas tribo africana Bantos) e a MPB (Música Popular Brasileira).

 

Gilberto Gil e Baiana Systen

Muitos instrumentos de percussão foram trazidos da África para o nosso país ou novos criados por afro-brasileiros. Temos vários tambores com sons diferentes. O nome geral desse tipo de bateria no Brasil é atabaque. Outros instrumentos são o ganzá, uma espécie de caixa de chocalho, a marimba (xilofone com ripas de madeira) e a cuíca, uma espécie de tambor pequeno com uma haste no interior, que produz um som estridente, quando vibrado com a palma da mão. mãos, apenas para citar alguns dentre eles de origem africana.

Os cantos rituais fetichistas, as danças dramáticas como Congos, Congadas e Quilombos, o soar nasalado da voz cantada brasileira, alguns passos coreográficos também são manifestações musicais afro-brasileiras.

Batuque, canto e dança foram certamente as primeiras manifestações do tesouro cultural que os africanos trouxeram para o Brasil. Já no ano de 1610, apenas um século após a descoberta do Brasil pelos portugueses, é possível ler uma reportagem sobre uma orquestra de 30 músicos africanos no Brasil.

O grande poeta Mário de Andrade refere-se à música africana como a “pererequice rítmica dos africanos”, ou seja, “o ritmo vibratório (como uma perereca) dos africanos”. Nos EUA criaram outro estilo muito importante para a História do desenvolvimento da música: o jazz.

 

Black Pantera

O samba é o nosso produto nacional. Vem de “semba” na língua banto (África Austral), que significa dançar e bater palmas em círculo. Além da grande festa de samba no Sambódromo do Rio de Janeiro (uma festa de carnaval de rua comercial e hoje mais para fins turísticos), a festa de carnaval é um grande salão democrático ou festa de rua no Brasil, onde todos podem participar, cantar, dançar e curtir a maior festa nacional, comemorada 40 dias antes da Páscoa.

 

Luedji Luna

 

Os cinco dias de alegria e diversão começam na sexta-feira à noite e terminam na quarta-feira ao meio-dia. Todos os tipos de vestidos são permitidos, desde máscaras e plumas até longos vestidos brancos ou simplesmente shorts e camisetas de praia. Em cidades como Rio, São Paulo e Porto Alegre grandes academias de samba, que chamamos de escolas de samba, apresentam a cada ano um novo desfile. Cada escola de samba escolhe um tema para apresentar, a escolha é livre, mas normalmente é uma escolha atualizada sobre política, meio ambiente, realidade brasileira em geral ou uma homenagem a uma pessoa muito importante do presente ou do passado.

 




 

Texto traduzido por Carol Lee Dutra para plataforma Carol Society.

 

 

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